A era do neoconsumidor no e-commerce

No auge da "bolha da internet", durante o surgimento do e-commerce, havia quem fizesse uma previsão de completa extinção de lojas físicas. Mas esse pensamento de 11 anos atrás pode facilmente ser desmentindo no cenário atual, no qual o varejo continua firme e forte – o que não impede o crescimento das lojas virtuais, pelo contrário. Para o futuro, a tendência do comércio eletrônico é a de franca expansão, como foi constatado durante o Digitailing, Fórum Internacional de Varejo Digital, que ocorreu em São Paulo na terça-feira (23).

Essa coexistência de comércio físico e virtual aponta para um novo modelo das pessoas que usam os serviços online e offline: os "neoconsumidores". O fenômeno não é só ditado por comportamento, mas pelas próprias tecnologias que evoluem rapidamente, como é o caso da velocidade da conexão à internet por banda larga e a explosão da venda de smartphones e tablets. Dessa forma, além da possibilidade do varejo tradicional, uma miríade de plataformas se apresenta nessa realidade, todas com promissores mercados ainda na infância a explorar.

"Nesses dois anos, esse novo perfil virou o 'Neoconsumidor ao quadrado’ porque tudo se potencializou", disse Luiz Goes, sócio Sênior da GS&MD – Gouvêa de Souza, organizadora do evento com Ebeltoft Group, ao apresentar a segunda edição do Estudo Neoconsumidor, realizada em 15 países (incluindo o Brasil) com 10.500 entrevistados. Com a evolução das plataformas, o cliente agora consegue pesquisar os preços rapidamente em plena loja física, forçando um "processo mais racional de compra".

O e-consumidor brasileiro se destaca nesse novo perfil. Em 2009, 88% dos internautas perguntados no mundo inteiro responderam que já haviam realizado compras pela internet, enquanto no Brasil esse número era já de 92%. Dois anos depois, os números subiram: 90% no mundo e 96% no País, ficando atrás somente da Alemanha (99%) e Inglaterra (97%). Em geral, esses números refletem a renda per capta, embora o mercado brasileiro se comporte de forma diferente.

Consumidor ainda tem medo

Ainda assim, há muitos desafios para o varejista enfrentar. A resistência em comprar pela web também foi pesquisada, com 59% afirmando ter receio por não poder sentir ou testar o produto - número até superior em relação a 2009, quando foi a causa apontada por 55% dos entrevistados. O medo de expor informações bancárias (com 48%, decréscimo de sete pontos em relação ao estudo anterior) foi outra razão mencionada.

Mas o que preocupou muito o setor foi que 41% dos pesquisados afirmaram ter medo de sequer receber o produto, um crescimento de oito pontos. Segundo Goes, isso ocorreu pelo quase colapso na estrutura das empresas de entregas no Natal de 2010, quando milhões ficaram sem mercadorias no prazo estimado por conta da demanda acima do suportado.

O que fica evidente é a necessidade de manter um bom relacionamento com os neoconsumidores. Isso é possível com o respeito aos prazos de entrega, bom suporte remoto e cuidados com as informações, como mostrar detalhes técnicos do produto e ranking de avaliação de usuários. Claro, tudo isso só funciona com segurança forte. Surpreendentemente, ter uma loja física nem é tão importante - apenas 19% dos entrevistados falaram dessa característica.

Tendências

Dentro dessa realidade, há oportunidades para estratégias diferenciadas. Uma das pioneiras foi a rede de vestuário Marisa, que em 2000 montou sua loja na web. "Na época, era difícil a venda até de eletrônicos, imagina de roupa", diz Roberto Sampaio, Diretor Comercial da empresa. O plano adotado foi o de cross-share, buscando uma integração entre os diferentes canais, com opção de troca de peças nas lojas físicas.

Em 2010, a companhia encontrou uma solução para o problema da falta de padronização nas roupas: basta a cliente entrar no site e colocar em centímetros suas medidas que a própria ferramenta virtual se encarrega de encontrar os produtos que cabem no corpo da consumidora. Além disso, houve forte investimento na parte visual, com design diferenciado e fotos bem produzidas de acordo com a demanda do público-alvo.

Outra estratégia avançada é a do Magazine Luiza, que lançou no dia anterior ao evento uma nova ferramenta integrada a redes sociais, o MagazineVocê. Com ele, o cliente pode montar uma espécie de "loja particular" para vender produtos recomendados aos amigos e contatos no Facebook - com as vendas, ele ganha de 2,5% a 4,5%. A ideia é inovadora, mas está de acordo com o pensamento de Frederico Trajano, diretor de Marketing da rede de comércio. "A internet é a tecnologia mais disruptiva desde a invenção da moeda", disse o executivo, afirmando ainda que a web é responsável por 10% do faturamento da empresa.


Isso mostra que a tendência é o crescimento aliado a novos elementos, como mobile commerce e a digitalização. Este último caso, já uma realidade que está ganhando força com a oferta de mídias por streaming e download, com empresas como Amazon e Neflix na dianteira no mundo. "É fácil brincar de pontocom, transformando a loja, mas a entrega ainda tem o produto físico. No digital não, é tudo software", afirma Marcílio Pousada , CEO da Livraria Saraiva. "A tecnologia muda tudo", diz German Quiroga, CEO da Novapontocom, responsável por pesos pesados do varejo como Casas Bahia, Ponto Frio e Extra. "Quem acha que acabou, está só começando".